terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dá pano pra manga


“O santo sai ou não sai? Convento de São Francisco quer saber. O santo sai ou não sai? A Igreja do Rosário quer saber...”. Provoco as costureiras cantando um trecho de uma canção da peça, devido ao pouco tempo para a execução do figurino. Sim, santo de casa faz milagre, e não por acaso o atelier da Marinez atende por Luz Divina

Naquela calorenta tarde de domingo na Praça Pereira, enquanto observo uma primeira parcial do figurino que está sendo tecido, no corpo dos atores; em movimento, um senhorzinho que assistia ao começo do ensaio perguntou-me: “Não é congada, né?” Respondi: é teatro. Ele sorriu e continuou atento às cenas que se seguiram e eu refletindo como seria possível transgredir a partir da criação artística um código já estabelecido para dar margem a outras leituras daquilo que já se sabe, do cotidiano?

O universo do figurino é recheado de mistério, assim como a vida, a arte e as pessoas. Assim sendo, também me deixo envolver por esse clima, para desenhar na pele do ator uma outra pele, uma camada de expressividade que tenha o poder de comunicar.

Na textura dos tecidos, das rendas, na paleta das cores e seus tons diversos, procuro imprimir um depoimento sobre a história encenada... Os traços dessa composição surgem de uma impressão de um dado real que escapa para o fantástico porque o cotidiano precisa ser visto de outra maneira, o corriqueiro ganha conotação de estranheza e, com uma cara nova revela a beleza que sempre esteve presente, só que agora é vista intencionalmente na cena com toda sua teatralidade.

O figurino poeticamente estilizado com traços de liberdade e imaginação que escapa ao espaço e ao tempo, permite aos atores, utilizá-lo como prolongamento de gestos e ações cênicas; e que ao decorrer do espetáculo será gradualmente reconfigurado conforme a necessidade das cenas. Dessa forma, ele ganha nova vitalidade e outras significações; através do uso que os atores fazem dele em cena. “O efeito de força e energia que o ator é capaz de manifestar é reforçado e elevado pela metamorfose do figurino em si, numa relação recíproca de troca: ator – corpo, ator – figurino, ator no figurino”.

O figurino revela-se como um composto de significados, constitui-se como um sistema de linguagem que tende a oferecer ao espectador a possibilidade de leituras e informações a respeito da personagem e o universo ao qual esta pertence. Protege o ator, dilata sua figura no espaço cênico, revela a personagem, oculta, camufla, podendo também funcionar como adereço e objeto cenográfico.

Pensar o figurino a serviço do ator e da encenação requer uma atitude de buscar compreendê-lo artisticamente. Descobrir seu potencial de significação e transformação na cena. Contribuir para o trabalho de criação do ator e da encenação, dialogando com todos os elementos de composição do espetáculo.

A criação de um figurino é um ato poético.

ANTONIO APOLINARIO.

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